sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Achei essa Crônica maravilhosa leiam. Quem ama a Arte não pode deixar de ler.

 É O AMOR - por Ricardo Kelmer        
       Como sou besta para chorar, é claro que ensopei a manga da camisa vendo 2 Filhos de Francisco (direção de Breno Silveira). Sempre me tocam histórias de superação, isso de lutar por um sonho. Não sou fã de música romaneja mas é comovente assistir, passo a passo, a trajetória do artista que apesar das dificuldades não desiste de sua arte. Mas aí a pulga me coça a orelha: e os outros zezés e lucianos por aí?

       A dupla do filme conseguiu chegar lá. Antes passaram muita necessidade, engraxando sapato, vendo a mãe chorar porque não tinha comida em casa, perderam um irmão. Palmas, eles merecem. Mas, que diacho, eu não consigo deixar de pensar nos outros. Poizé, todo mundo saindo do cinema cantando feliz e eu, o estraga-prazer, pensando naqueles que lutaram tanto ou até mais e, no entanto, não chegaram lá. E aí?

       E aí o quê, é isso mesmo, é a vida, uns chegam e outros não. É, você tem razão, se todos chegassem não caberiam todos no palco. É necessário que a maioria não chegue para que alguns possam chegar. Cruel matemática a do sucesso artístico. Então a vida é injusta? É assim que ela trata seus artistas, aqueles que têm a sagrada missão de divertir e emocionar o povo? O que afinal está errado com a arte? Por que para a grande maioria a arte é um sonho que nasce colorido mas aos poucos se transforma em pesadelo e faz da vida um trágico erro de percurso?

       Tenho um palpite. Ele é fruto de tudo que aprendi em minha própria vida, buscando ser escritor num país de não-leitores. Não existe fracasso na arte. Porque a arte, por si só, é a eterna celebração da vida. Aqueles que a vida escolhe para serem artistas têm a missão de fazer arte e pronto. Se conseguirão se sustentar com ela, isso é outra coisa, a arte em si nada tem a ver com isso, não lhe peçam o que não é de sua competência. A maioria dos artistas, de fato, não consegue se sustentar e desiste. Os que conseguem, a maioria abre concessões em seus ideais e assina algum tipo de acordo com a indústria de consumo rápido. Uma parte prossegue a duras penas, sempre maldizendo o sistema e envolta em amargura.

       Mas há aqueles que, mesmo com reconhecimento curto e dinheirinho minguado, continuam com sua arte, são felizes e não abrem mão dela - porque não saberiam viver longe de seu grande amor. Jamais terão sua história contada no cinema mas ela, certamente, é a melhor de todas as histórias. Esses encarnam o verdadeiro espírito artístico: fazer arte pela arte. Esses deram a volta completa na roda da experiência e chegaram. Não ao estrelato, ao panteão luminoso das celebridades - chegaram ao ponto mágico de compreensão onde vida e arte se tornam uma coisa só e o dinheiro e a fama não são mais importantes do que continuar fazendo arte, continuar fazendo, continuar.

       Esta crônica é uma homenagem aos que chegaram. Mas é uma homenagem ainda maior aos que chegaram ou chegarão à mais profunda verdade artística, aquela que diz que no final da jornada, lá onde paramos para enxugar o último suor de tantas labutas, nós olhamos para trás e vemos toda a estrada que percorremos. Veja, lá estamos nós, dia após dia, no ônibus, a pé, sacoleiros da esperança a carregar os sonhos de um lado para outro, vendo muitos morrer pelo caminho, arrastando os que sobram, sempre visualizando lá na frente um horizonte de recompensas - horizonte que sempre se revela apenas mais uma estação na difícil viagem.

       Nós olhamos para trás e entendemos que, apesar de tudo, valeu a pena sim, que mesmo devendo o aluguel, não devemos a alma. Que mesmo sem saber como seria o dia seguinte, nós cumprimos nosso destino. Por amor à arte. Que no fundo é o mesmo amor à vida.
É o amor.

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